1 de dez. de 2009

Chalten - Previsão do Tempo

Escalar em Chalten é aprender a entender de previsão de tempo e ter paciência. Para o segundo, é difícil ter uma receita de bolo, mas para o primeiro, existem diversos websites que ajudam.
Ano passado as previsões eram muito certeiras, acertando a maioria das vezes inclusive o horário da mudança climática. De todos, o NOAA foi o que me mais chamou atenção, mas os mapas ajudam a entender mais de como será o clima.
Abaixo, algumas dicas dadas por Rolando Garibotti na revista Kooch 10 (edição de Outubro de 2008) e algumas observações minhas.

NOAA - www.arl.noaa.gov/READYcmet.php

Entrar as seguintes coordenadas:
Latitude: -49.3 (Não esquecer o sinal de menos)
Longitude: -73.1 (Não esquecer o sinal de menos)
No próximo menu, em Choose a Forecast Dataset, selecionar: GFS 0-180h (ou qualquer outra opção que melhor lhe atender)
Na próxima página, selecionar: “Default with winds” e “Speed and Direction”; colocar os números e letras do código e depois selecionar “Get meteogram”.
Nesse meteograma, você verá a precipitação, direção e velocidade do vento e pressão barométrica relativa ao nível do mar.
MINHAS OBSERVAÇÕES - Diminua em 4 as horas marcadas embaixo da página para ter o horário de Chaten. A pressão que dá um tempo relativamente estável nas montanhas em Chalten é 1020mba. Os ventos vindo do sul são gelados, mas trazem, geralmente, bom tempo. Dizem os locais que com o vento até 9 nós é possível escalar e com 13 nós, o rapel ainda é possível. Minha experiência lá me mostrou que um vento 7 já é suficiente forte para pensar duas vezes em estar na montanha, a não ser que queira sair voando.

Outra opção é entrar no site da Marinha Norteamericana (www.fnmoc.navy.mil/public), que para aqueles que sabem ler mapas metereológicos, será uma opção muito mais adequada.
Selecionar: “Global and regional weather prediction charts (WXAMP)” e na próxima pagina, embaixo de “South America”, selecionar “NGP”. Dentro dessa opção, virão diversas informações, sugiro olhar principalmente a pressão atmosférica relativa ao nível do mar, a precipitação e os ventos
Para os ventos, selecione “All” do menu “850 hPa Temperature, Winds y Rel Hum”, onde poderá avaliar a direção e velocidade do vento (cores vão do branco, amarelo, laranha e vermelho e quanto mais linhas, mais forte é o vento).
Para avaliar a precipitação e pressão a nível do mar, entrar em: “All” e então “previous 12 hs precipitation rate and sea level pressure”. A pressão relativa a nível do mar está expressa em curvas crescentes: 1004, 1008, 1012, 1016, 1020, etc. Nesse mesmo mapa, a precipitação está expressa em cores (de preta, 0, verde escuro, de 2 a 4 mm, e violeta, 70mm) representa a precipitação prevista para as 12 horas anteriores até a hora do mapa.

Outra opção é www.wetterzentrale.de, entrar em “Top Karten”, “GFS”e “S-Amerika”. Para pressão relativa ao nível do mar, entrar em: “500pa Bodendruck” e os horários do menu.

MINHAS OBSERVAÇÕES
Esses últimos dois eu nunca usei. Para os mapas, eu utilizei os mapas de www.mountainweather.com, fáceis de ler.
Entrar em “computer models”, “MeteoStar”e escolha o mapa da South America, escolher no menu na esquerda os links para precipitação, ventos e pressão relativa ao nível do mar. A legenda é bem tranqüila de ler.

Depois disso, é só fazer a logística toda para aproveitar bem as janelas e escalar aquelas lindas montanhas. E durante a escalada, olho na pedra, no cume e nas nuvens!

2 de nov. de 2009

Sonhos Patagônicos: treinando para Chalten



Já havia escutado que quando você vai pra Chalten pela primeira vez, tem que reservar, pelo menos, mais uma temporada. O lugar é um vício e é difícil não querer voltar para lá imediatamente.
Comigo não foi diferente. Passei a temporada passada em Chalten (dez 08 - mar 09) e o lugar me contagiou tanto que passei o ano de 2009 me preparando para voltar para lá. E é isso que farei nesse próximo verão e para tal é necessário criar projetos mirabolantes para poder treinar.
E foi com Chalten na cabeça que parti junto com Bernardo nesse sábado para fazer 3 vias no Pico Maior de Friburgo. Ano passado havíamos feito os 4 cumes (Pico Menor, Médio, Maior e Capacete) em 1 dia. Esse ano, nosso objetivo era fazer a Arco da Velha (D4 6o VIIa E3, 700m), a Decadence avec Elegance (D4 5o VIIa (A0 VIIc) E2, 700m) e terminar com a Leste (D4 5o V (A0 VI+) E3, 700m), tudo em um dia.
O despertador tocou às 2:20 da manhã. Com relutância, saímos da cama, tomamos café e entramos no carro para ir até o Mascarim. Minha headlamp já demonstrava sinais de problemas sérios. Começamos a caminhada às 3:30, já com apenas uma headlamp, pois a minha quebrou. Chegamos na base da Leste às 4:10, nos equipamos ali, deixamos boa parte das coisas e nos direcionamos para a Arco, passando pela base da Decadence, onde deixamos mais coisas.


Da base da decadence, resolvemos ir pela pedra para evitar o mato e o costão molhado de acesso à base da Arco. Com uma headlamp só, o Berna subia um pouco e olhava para trás para eu subir. De pouco em pouco, ganhamos metros e chegamos na base da Arco às 5:30. Como ainda estava escuro, sugeri solarmos até P1 para eu usar a luz da lanterna dele. E foi isso que fizemos. Havíamos decidido que ele ia guiar a Arco toda, uma vez que ele conhece muito bem a via e eu não. Em P1, ele partiu ainda no escuro, mas com o dia amanhecendo. A via tava meio molhada, mas fomos subindo.

Chegamos na horizontal que estava um pouco molhada, mas era "gosma five ten" e não escorregava. Berna foi guiando e ao chegar no segundo grampo (que é um stubai bem velhinho), ele falou:
- Ainda bem que vou costurar e depois entrar no molhado.
Na mesma hora eu respondi:
- Isso quer dizer que eu vou descosturar e entrar no molhado, to ferrada!
Só pude rir.

Fomos subindo, com partes muito molhadas e outras partes nem tanto. Chegamos no crux e vimos que estava seco. O crux é sinistro, além de difícil, se o guia cair, vai quicar em um platô e continuar caindo. Nada agradável. Berna foi subindo com delicadeza e calma passando lindamente pelos dois cruxs e a passada delicada após os mesmos. As passadas são lindas e exigem muito trabalho de pé e acreditar em micro agarrinhas. Difícil e muito maneiro.
Achava que eu estava lenta e já pensava secretamente que não íamos conseguir finalizar as 3 vias de dia, o que era um problema, uma vez que só tínhamos uma headlamp. Mas ao chegar no final da Arco, vimos que eram apenas 9:45 (4 horas e 15 minutos após o início). Ficamos felizes e imediatamente começamos a rapelar pela Decadence. O rapel durou apenas 1 hora! Sensacional. Deixamos as cordas fixas nos últimos dois rapéis e desescalamos os últimos 10 metros até a base, onde comemos, bebemos e nos pusemos a escalar novamente, eram 11 da manhã.
Subimos solando até P3 e depois continuamos à francesa até P7. Fui costurando um grampo aqui outro lá até que não aguentava mais escalar, precisava descansar. Fiquei feliz quando as costuras acabaram e tive que parar e puxar o Berna. Dali, revezamos a guiada.
Subindo a decadence, meu corpo começou a reclamar. Meus dedos dos pé e calcanhares estavam doloridos com a sapatilha. Meus dedos da mão reclamavam de cada reglete que eu tinha que agarrar. Meu braço estava reclamando de um músculo que havia sido "puxado". Meu corpo todo estava meio que dormente. Determinação. Sabia que o Berna também sofria com a sapatilha e nenhum dos dois reclamava muito, apenas um comentário aqui, outro ali. Seguíamos adiante, sem pensar em parar ou desistir. Estávamos com o objetivo na cabeça.


Começou a pingar, mas ninguém falou nada. Era como se não falássemos, não estava acontecendo. Continuamos a subir, num ritmo rápido, numa corrida contra o tempo, ou melhor, contra a chuva. Íamos insistindo, até que não tinha mais como fingir que não estava molhando e tive até que colocar o anorak.
Esperamos um pouco, mas como o Berna tinha esquecido o anorak, resolvemos descer. Estávamos na base do crux da Decadence (P14), eram apenas 1:45 da tarde, 2 horas e 45 minutos depois de termos começado a escalar a Decadence, mas a chuva não deixava a gente continuar.
Rapelamos sem pressa, a chuva inconstante nos deixava com esperança de ainda poder escalar a Leste. Mas cada vez que ousávamos pensar que a chuva ia parar e a parede ia secar, ela voltava mais forte do que antes. A pedra encharcou, a base da Leste tinha várias piscinas e, a nós, só nos restava arrumar as coisas e voltar para a pizza do Serginho.
Não completamos nosso objetivo, mas estamos longe de poder reclamar, pois fizemos a Arco inteira e a Decadence quase inteira, um total de 27 enfiadas. E tínhamos disposição e cabeça para continuar se o tempo tivesse deixado. Foi um bom treino que deixou um gostinho na boca de precisar voltar para poder terminá-lo.


28 de out. de 2009

Heróis

Ano passado li o livro "The Mountains of my Life" (as montanhas de minha vida) de Walter Bonatti. Já nas primeiras páginas, esse italiano se tornou uma inspiração para mim, um herói.
Esse ano, depois de muito tempo procurando, consegui comprar o livro "Conquistadores do Inútil" de Lionel Terray. E esse escalador francês me conquistou com o primeiro parágrafo que divido com vocês:
"Toda minha vida foi dedicada às montanhas. Nasci nos pés dos Alpes, fui campeão de esqui, guia profissional, amador das grandes escaladas dos Alpes, e membro de oito expedições aos Andes e Himalaia. Se a palavra tem algum significado, eu sou um montanhista (mountaineerer)" - minha tradução
Mais um herói!

29 de set. de 2009

Escalada no sangue



Um dia, um amigo e grande escalador falou que eu tinha “escalada no sangue”. Imediatamente, senti um certo calor subindo pelo meu corpo, daqueles que a gente sente quando um grande elogio é dirigido a você. Se alguém tivesse olhando para mim na hora, certamente teria visto um rosto iluminado e provavelmente enrubescido de felicidade.
Identifiquei-me prontamente com essas palavras e fiquei saboreando-as por um momento. Não discutimos muito sobre seu significado, pois ambos sentíamos a escalada em nossas veias e sabíamos que palavras não fariam jus a esse sentimento. Continuamos bebendo cerveja e jogando conversa fora.
Alguns meses depois desse primeiro contato com essa expressão, me deparei com outra expressão que traduz mais ou menos a mesma coisa. Foi uma frase que saiu no filme “The Wall”, com Serginho Tartari e Daniel Bonella: “a escalada, para muitos, é um esporte de louco. Para outros, um esporte de final de semana. E para poucos, um estilo de vida”.

Mas falar sobre o que é ter a “escalada no sangue” não é uma tarefa fácil e certamente será um desafio tentar traduzir em palavras um sentimento tão profundo, mas... mão no magnésio e vamos embora.

Comecei a escalar tarde, aos 21 anos, mas acho que sempre fui escaladora. Por isso, assim que comecei a escalar, me viciei. Sim, tenho que confessar que, ainda hoje (11 anos depois desse início), sou viciada em escalada. Me atirava nas pedras, nas vias sem pensar em conseqüências e fui aprendendo aos poucos como utilizar todo o equipamento disponível e a realizar os procedimentos quase que adequadamente. Com uma grande disponibilidade de tempo, escalava quase que diariamente.

Depois de 11 anos me atirando em diversos tipos de via, vejo que a escalada faz parte de quem eu sou e de como eu me defino. Tudo em minha vida, atualmente, gira em torno de montanhas, vias, escaladas e parceiros de aventuras. E vejo que ter e sentir a escalada nas veias vai além do grau que escalamos, quantas vias fizemos, com que frequência escalamos, quanta força temos no braço ou quão bom é nosso equilíbrio. Isso tudo faz parte do lado objetivo de escalar e que, na realidade, é facilmente ensinada e absorvida. É a parte mental, filosófica e espiritual da escalada que juntas formam a base de ter ou não a “escalada no sangue”.

Ter a “escalada no sangue” é amar o esporte, mas não se contentar em apenas faze-lo. É fazer da “escalada” um estilo de vida e abraçar com vontade e determinação as lições que tiramos de cada dia nas montanhas e atingir um equilíbrio espiritual que vem apenas com esse estilo de vida tão único. É saber que sua personalidade é grandemente definida como: “sou escalador/a” e ponto. E que se, por algum motivo, uma pequena parte disso é tirada deles, seria como arrancar uma parte vital de seu corpo, de sua alma.

Ter “escalada no sangue” é nunca se contentar com pouco. É ter o desejo de ir além, de se arriscar, de desafiar seus limites. É estar, literalmente, suscetível a grandes quedas e a recompensas incríveis e indescritíveis. É fazer a caminhada e chegar na base de uma parede, olhar para cima e se sentir pequeno, quase que impotente frente a grandiosidade da montanha. É sentir um frio imenso na barriga ao olhar a via, mas mesmo assim dar o primeiro passo para entrar na dança da verticalidade da escalada.

Para aqueles que têm a escalada correndo em suas veias, estar na frente de uma cordada é um método de meditação. Não existe outro lugar, hora ou atividade que estimule uma maior concentração ou um maior desligamento dos problemas e do mundo ao redor. Ignorando a fala do parceiro apreensivo, o escalador coloca a mente em outra dimensão e o foco se volta para a complexidade do momento: controlar a respiração, movimentos, equilíbrio e estado mental para passar um lance mais complicado... nada no mundo mais existe, apenas a dança vertical. A realidade das palavras vindo de baixo e da situação só atinge o escalador depois da liberação da adrenalina através de um grito, expiração profunda ou risos descontrolados após ter finalizado aquele movimento desafiador. É assim que construímos nossa personalidade, felicidade e ficamos mais perto de nos tornarmos seres completos.

É se sentir em casa nas montanhas, como em nenhum outro lugar do mundo e amar o sentimento de paz e tranquilidade que vem com o “estar e escalar” montanhas. Sentir a “escalada no sangue” é ter as montanhas na mente, no coração e na alma; sabendo que apenas escalando você tem a sensação de liberdade total, de segurança e acima de tudo de plenitude absoluta.

2 de set. de 2009

Parceria em Montanha

Já faz um tempo que tento escrever sobre parceria na montanha. Mas são tantas coisas que quero falar, tantos sentimentos que afloram com esse conceito, que nem sei por onde começar, mas vou tentar.
Amo escalar e para mim grande parte do que gosto na escalada e da onde aprendo as coisas que tiro das minhas aventuras vem dos meus parceiros. Não apenas isso. Tiro boa parte da minha força e determinação das pessoas com quem estou escalando. Não como um vampiro que suga sem dar nada em troca; mais como um processo de simbiose, onde dois organismos tiram vantagens mutuamente sem que nenhum seja prejudicado.
As montanhas e principalmente a escalada tem um poder fenomenal de juntar ou separar pessoas. Os momentos que vivemos nos desafiando em suas paredes verticais nos fazem extremamente verdadeiros, honestos. Duas palavras que denotam como nos comportamos durante nossas jornadas pela verticalidade da escalada. Cada momento é vivido intensamente e os sentimentos que são despertados para com seu parceiro ou parceira são tão genuínos e fortes que conseguem unir duas pessoas (ou separá-las) de maneira que só mesmo na montanha conseguimos ver.
Cada vez que vou pra montanha com pessoas esse sentimento de parceria é renovado. Independente de com quem eu esteja, seja uma pessoa que considero “parceiro/a”, um/a amigo/a, ou uma pessoa que acabei de conhecer... nossas atitudes, conversas e o jeito que a escalada flui me faz pensar em “parceria em montanha”.
Interessante é que pelo tanto que já pensei, eu deveria ter conclusões mais definidas, ou frases mais elaboradas. O sentimento é na verdade, ao mesmo tempo, tão abstrato e tão concreto que me deixa sem as palavras certas para descrever o que penso sobre parceria. Acho que nesse caso, minhas experiências falam mais alto e as definições ficam para segundo plano. Por isso, acho que, vira e mexe, vou voltar a esse tema que me fascina tanto, mas por enquanto termino por aqui, com o coração cheio de vontade de falar mais, mas com o racional bloqueado. :)

Salathe Wall, Yosemite


Alguns números da escalada:
2 dias de preparação
1 dia içando haul bag
4 noites na parede
5 dias de escalada
35 enfiadas de corda
1.050 metros de escalada
57 horas escalando
45 litros de água
1a vez no cume do El Capitan
Não é comercial do Master Card, mas não tem preço!

Yosemite é umas "Mecas" mundiais de escalada em rocha. Escalador do mundo inteiro vem para o "valley" para serem desafiados nas imensas paredes de granito. Dois de seus cartões postais são o Half-Dome e o El Capitan ou El Cap, como é carinhosamente conhecido pelos escaladores. Queríamos escalar o segundo, que é o maior monolito contínuo em granito do mundo. Meu parceiro: Joe Frost. Nosso objetivo: a via Salathe Wall, umas das mais acessíveis do EL Cap, mas também uma das mais longas (se não a mais longa), com mais de mil metros de escalada contínua.
Chegamos ao Vale e logo decidimos entrar no nosso objetivo. Não encontramos ninguém que já havia escalado a via, então nos baseamos no que o guia nos falou, e começamos as preparações.

Os dias de preparação

Decidimos não levar fogareiro e por isso tínhamos que cozinhar toda a comida antes de entrar na escalada. Foram mais ou menos umas 6 horas cozinhando jantares e cafés da manha para 5 dias. Macarrão, arroz, xapate, etc... Ufa! Fora isso, precisávamos decidir os equipamentos que íamos levar: duas cordas, sendo uma estática, quase 3 jogos de equipamento em móvel, mais equipamento de escalada em artificial. Uiii, que peso! E para finalizar, água! Precisávamos estabelecer quanto íamos levar para a parede. Inicialmente decidimos por 2.5 litros por pessoa por dia, 25 litros no total.
Para acompanhar toda essa preparação, muita cerveja. Obviamente, a idéia não foi a melhor, pois diminuiu nossa eficiência e acabamos indo dormir sem parte das coisas prontas, mas nos divertimos muito.

Dia 0
Acordamos atrasados, com uma leve dor de cabeça e nos pusemos a trabalhar. Os 30 minutos que achávamos que ia demorar se estenderam por mais de 2 horas. Resultado: colocamos o haul bag nas costas por volta de meio dia, com um calor infernal de quase 40o que lembrava o verão carioca.
O interessante de big wall é que ela começa a “nos colocar no nosso lugar” antes mesmo de entrarmos nela. A logística, os dias de preparação e arrumação de material já nos deixam desorientados e nos fazem baixar a crista e entender que não vai ser fácil.

A trilha é curta e logo achamos a base da via e uma surpresa: cordas fixas que nos levaram ao Platô do "Heart Ledges", onde seria nosso primeiro bivaque. Essas cordas nos economizaram muito peso e logística e como não contávamos com elas, ficamos muito felizes.


Durante 4 horas enfrentamos o calor e a verticalidade do granito do El Cap para levar nossos víveres a Heart Ledges. Içar haul bag não é fácil, mas ganhamos os metros com eficiência e sem perceber o tempo passar, chegamos a nosso destino, onde deixamos as coisas e imediatamente nos pusemos a descer para onde tinha sombra.

O calor infernal nos fez repensar nossa quantidade de água e na volta para o carro encontramos com uns escaladores que tinham descido da parede. Eles falaram que tinham levado 6 litros por pessoa por dia. Nos entreolhamos apreensivos, pois isso significava 7 litros a mais por dia para a gente e agora sem a possibilidade de içar o peso no haul bag. Teríamos que levar esse peso extra com a gente, nas costas. Pensamos em 57 mil opções e decidimos levar um extra de quase 4.5 por pessoa por dia, carregando para cima mais 19 litros (ou 19 quilos) de água.

Dia 01
Depois de uma noite na base da via, começamos a escalada propriamente dita. Nosso objetivo era chegar a nosso haul-bag, 11 enfiadas acima quase todas em livre. Logo na primeira enfiada decidimos que não íamos içar a mochila com a água por estar muito pesada; quem estava jumareando teria que carregá-la.

A escalada fluía tranquilamente, mas subimos com o calor infernal que drenava nossa energia na medida em que sugava nossa água. A mochila muito pesada não ajudava em nada e acabou nos deixando bem mais vagarosos do que queríamos.
Achamos uma sombra e ficamos ali quase uma hora esperando o sol baixar. Dali eram apenas duas enfiadas fáceis até o platô, ao qual chegamos por volta das 6 da tarde. Mas nem pensar em descansar ainda, pois decidi escalar a próxima enfiada para agilizar nosso dia seguinte. Num misto de escalada em livre e artificial subi os próximos 45 metros e desci já limpando a enfiada.
A primeira noite na via foi sensacional. O platô era incrível e a vista maravilhosa. Nosso jantar, merecido, foi macarrão com sei lá o que. Depois de comer, nos entregamos a sensação de êxtase de poder descansar depois de um lindo (e quente) dia de escalada. Bons sonhos.... Bivaque 5 estrelas.


Dia 02

O segundo dia amanheceu sem uma nuvem no céu, mais um dia quente na pedra. Mas a empolgação ainda era grande e logo nos pusemos a nos mover. Subi pela corda fixa e puxei o haul bag, agora muito mais pesado, para continuarmos nossa empreitada.


A próxima enfiada foi guiada pelo Joe e é uma das mais temidas de toda a escalada. Depois de um pêndulo, é necessário escalar um 5o grau em off width sem proteção nenhuma por uns 25 metros até chegar na parada. Confesso que fiquei feliz de não ir, até porque o bichinho voou pela fenda, parecia que estava em um lugar super fácil, mas quando vi a fenda vi que não era nada disso. Ele escalou muito eficientemente e "tocou pra cima" pois sabia que não tinha opção de proteger mesmo. Impressionante.


Dali, seguimos alternando algumas guiadas em livre e artificial, passando por "the ear", uma chaminé apertada de 4o que foi guiada pelo Joe e coube a mim a pior parte: limpá-la numa mistura de jumareada, escalada com tênis, entalamento de corpo e peças na horizontal. Horrível!


Chegamos na primeira enfiada que seria toda em artificial e ela ainda tinha praticamente 50 metros. Parti com uma mistura de determinação e apreensão, sentimentos constantes em big walls. As proteções se demonstraram sólidas, mas trabalhosas. Ao passar um teto, me deparei com a parte que iria me dar mais trabalho, uma fenda bem fina, com algumas partes mais abertas, que seguia por mais uns 35 metros. Segui com cuidado e o tempo foi passando, fui vendo o sol descer e comecei a agilizar a escalada. Não parava para pensar muito, nem para testar as peças, queria chegar na parada antes de escurecer, pois já não tinha como puxar nada pela retinida e eu estava sem headlamp. Foi trabalhoso, mas cheguei na parada, já escuro e extremamente desidratada. Trouxe o haulbag no limite das minhas forças, muitas vezes pensei em parar e descansar, mas sabia que precisava tirar energia da onde eu pudesse pois tínhamos que continuar seguindo até o nosso próximo bivaque. Ele não estava longe, apenas uma enfiada, mas não sabíamos se essa seria difícil ou longa, o que acabou não sendo nem uma nem outra.


Chegamos no nosso bivaque as 10:00 da noite, depois de 15 horas escalando, mortos, mas felizes. Comemos o que conseguimos, o que, apesar da fome, não foi muito e mergulhamos num sono profundo. Bivaque 4 estrelas.

Dia 03
Acordamos em um lugar fenomenal: a "alcove": nosso bivaque que era uma mistura de platô, com totem, caverninha e alcova. Não nos demoramos muito e Joe começou a escalar por atrás do que seria um dos lugares mais loucos por qual já passei em escaladas, o El Cap Spire.



Nesse dia, escalamos durante 11 horas e chegamos ao próximo bivaque com luz e a necessidade de um descanso mais relaxado fez com que não continuássemos a escalar a próxima enfiada. Sabíamos que o próximo dia seria puxado e o mais longo, mas precisávamos ter um tempo para fazer "nada". Mas fazer nada em uma big wall significa arrumar equipamento, comer, mexer no haul bag, preparar nossa cama, pensar na logística do dia seguinte e organizar mais equipamento. Obviamente, nosso fazer nada demorou mais de uma hora, mas uma hora tranquila, sem a pressão de ter que escalar e chegar no próximo bivaque. Isso ficaria pra amanhã. Bivaque 2 estrelas.

Dia 04
Acordamos ainda na escuridão para o dia que seria o mais trabalhoso, cheio de enfiadas longas em artificial, uma headwall e um mega teto para serem "vencidos". O cansaço era grande, mas a determinação de continuar também o era. Big wall nos desafia inteiramente e sempre alcançamos o que pensamos ser nosso limite e nos surpreendemos ao ver que esse limite é extremamente "elástico" e, que na verdade, podemos mais do que pensamos. E era isso que estávamos testando, alcançando e provando. Continuávamos a subir, a escalar as paredes que ficavam cada vez mais verticais e mais complicadas e não pensávamos em outra coisa a não ser subir.
No limite do cansaço , do stress e da necessidade de trabalho em equipe, coisas simples se tornam complicadas e nos desafiam a viver em harmonia e parceria. Muitas vezes extrapolamos os limites e nos estressamos para no momento seguinte saber que precisamos um do outro e de trabalhar em conjunto para que a gente atinja nosso objetivo. Não é fácil e a convivência nessas situações e locais nos fazem ver que não alcançamos nada sozinhos.
Alternamos as enfiadas, eu com as enfiadas mais longas e complicadas e o Joe com as enfiadas mais curtas. Algumas das enfiadas dele acabaram não sendo tão simples como esperávamos e ele demorou bastante. Chegamos no teto que foi guiado pelo Joe e coube a mim a árdua tarefa de limpá-lo. Difícil é pouco para o que foi limpar esse teto enorme e com diversas passadas em horizontal, mas kmon. As enfiadas eram extremamente verticais e ligeiramente negativas, deixando as paradas complicadas e nada confortáveis.


A última enfiada do dia era mais um dos cruxs da via e coube a mim passá-lo à noite, na base da headlamp. Fiquei nervosa, apreensiva. Mas ao sair da parada e começar a escalar, o foco nas peças me fez quase esquecer a escuridão da noite e apenas pensava em ganhar os metros finais até o bivaque.
Esse bivaque, um 4 estrelas, era muito plano mas bem estreito e comprido e a noite foi impressionantemente confortável.

Dia 05

Acordamos sem pressa. Era nosso último dia na parede. A vontade de não fazer nada era enorme e foi difícil de motivar a se mover. Joe não se sentia muito bem e me ofereci para guiar tudo, mas ele não quis e guiou a primeira enfiada.

As próximas duas ficaram para eu guiar. Subir o El Cap era muito mais sonho dele do que meu e por isso deixei para ele a 35a e última enfiada da via.
Chegar no cume de uma via é indescritível, ainda mais de uma via que exige tudo e mais um pouco de você, que te desafia em todos os sentidos: psicológicos, físicos, comportamentais, etc.


Estávamos no cume do "capitão", do El Cap, depois de muita, mas muita escalada. Rimos à toa, curtimos o visual, a sensação de estar ali, e nos pusemos a descer, pois a descida era desconhecida e longa...
Mas valeu! Muito aprendizado! Muita energia!
Kmon!

19 de ago. de 2009

Acesso às Montanhas Pan-Americano

Fui convidada a vir ao Canadá pelo Armando Menocal para uma reunião de formação de um grupo / organização que trabalhe com acesso às montanhas a nível pan-americano. O Armando foi um dos fundadores do Access Fund, programa americano que visa garantir o acesso de escaladores a áreas de escalada e promove a conservação dessas áreas. Foi com base no Access Fund que o programa Acesso às Montanhas, da FEMERJ, foi criado, do qual sou a coordenadora. Bernardo Collares ia se juntar a mim, mas seu visto americano foi negado e acabei vindo junto com o Flávio Wanieswisk, que mora em Vancouver.
A reunião aconteceu durante os dias 12, 13 e 14 de agosto, em Squamish, no Canadá e contou com pessoas do Chile, Argentina, México, Cuba, Brasil, Canadá, EUA e Espanha. Outros países não puderam mandar representantes por diversas razões, dentre as quais, a negação de vistos americanos e canadenses chamou a atenção.
Durante esses três dias, os participantes descreveram os principais problemas de acesso de suas áreas, ações que estão sendo tomadas, vitórias e principais entraves para o desenvolvimento de um programa de acesso.
Dentre problemas de acesso, foram descritos os problemas com responsabilidade civil no Rio, situação política em Cuba (onde escaladores são presos e interrogados por 10 dias, apenas por escalarem), potencial de Cochamo (Chile) se tornar uma central hidrelétrica. Foram muitos problemas que foram descritos e diversas soluções foram propostas.
No final dos 3 dias, a organização Access Pan-Am foi criada com sócios fundadores de diversos países e país base ainda a ser definido.
O impressionante foi ver as pessoas extremamente engajadas em programas de acesso por todos os lados. E foi com orgulho que vi que nosso programa no Rio é o único programa de Acesso na América Latina atualmente. E isso contamos apenas com a dedicação de voluntários que tocam o projeto por amor às montanhas. E viva as montanhas!

9 de jul. de 2009

Eu e as Montanhas

Amo as montanhas. Cada vez que estou nelas, esse sentimento é renovado. Me sinto em paz e me alegro em saber que posso me surpreender cada vez que as visito e que não me canso com sua beleza.
Sim, estou em casa nas montanhas, sempre. Mas para me sentir completa, preciso escalar. Caminhar pelos vales cavados por rios e glaciares e andar até cumes deslumbrantes me traz muita alegria. Mas não se compara com os sentimentos em mim despertos quando escalo.
Cada vez mais me afirmo como “escaladora”. E não falo aqui de qualidade, não me importo o quão bem (ou não) eu escalo. Falo sim sobre minha própria identidade, sobre quem eu sou, o que me faz feliz e onde aprendo a viver. É, a escalada me traz “completude” e me ensina a ser um ser humano melhor. Cabe a mim apenas tentar aprender.

Wind River Range, Wyoming


Vrum, vrum... o barulho lembrava uma moto sendo acelerada em ponto morto. Mas estávamos longe de qualquer civilização e o som vinha do vento que invadia nossa barraca e sacudia a lona incessavelmente. A situação beirava o ridículo e nós só podíamos rir. Era o 14o dia de expedição, o 14o dia com precipitação e o 13o que essa precipitação era em forma de neve. Era junho e o verão ia chegar em 4 dias, mas o clima era de inverno. Os dias estavam frios, gelados para ser mas precisa, sendo a media da temperatura entre -5o e 5o. As tempestades constantes nos forçavam para dentro das barracas, dentro de nossos sacos de dormir.
Todos os dias, íamos dormir com uma pontada de esperança que o dia seguinte estaria com um céu limpo, azul, sem nuvens. Todos os dias acordávamos com vento ou neve. Alguns dias, a esperança se estendia até quando abríamos o zíper da barraca; a ausência de vento e neve nos fazia crer que era esse o dia. Mas era tudo ilusão. As nuvens ainda dominavam o céu e a calmaria era uma pequena brecha no tempo insano que estávamos tendo.

Parecia a Patagônia, mas por sorte o vento não era tão forte. E os ares gelados da terra ao sul estavam a milhares de km de distancia. Ali, estávamos na parte Norte da cadeia montanhosa Wind River, no noroeste do estado de Wyoming, EUA. Éramos 15 pessoas, 3 instrutores e 12 alunos. Mas nessas 2 primeiras semanas de curso a parte de ensinar e aprender ficou secundaria. O importante era nos mantermos secos e aquecidos ou relativamente aquecidos.
Meu co-instrutor Mike já havia estado ali mais de 10 vezes e essa foi a vez mais fria e com pior tempo em dias consecutivos que ele pegou. É... só nos restava rir e torcer por dias melhores.

29 de mai. de 2009

Mount Valhalla, Alaska

Tomava um chá bem quentinho quando uma gota caiu de meu copo na minha calça e imediatamente congelou.
Todo dia acordávamos com nossas águas congeladas dentro das garrafas. Somente conseguimos ter água em estado liquido na manha quando colocamos as garrafas entre nossos sacos de dormir. Fazia muito frio e no dia seguinte íamos escalar o Mount Valhalla e tudo que eu queria era entrar no meu saco de dormir para me aquecer o máximo possível. o para nosso acampamento.
Valhalla na mitologia nórdica é o local onde alguns guerreiros vikings, escolhidos pelo deus Odin, eram recebidos após terem morrido, com honra, em batalha. O Mount Valhalla é uma pirâmide de pedra com 3699 metros e diversas faces nevadas e é cercado pelos Glaciares Nelchina, Columbia e Harvard, no Alaska.
Acordamos as 6 da manhã com um vento surreal que aliado ao frio que estava, deixava nossa disposição tão baixa quando a temperatura daquela alvorada. Adiamos nossa escalada para o dia seguinte, que amanheceu sem uma nuvem no céu e vento quase zero. Era o dia perfeito! Colocamos nossos esquis e subimos para a base do primeiro desafio do dia: uma headwall de 180 metros e 50o de inclinação. A primeira cordada foi na frente e descobriu uma parede totalmente congelada, o que atrasou bastante nosso avanço. Mas chegamos ao colo e dali partimos para uma linda crista de mais ou menos 1.5km, que nos levaria ao cume do Valhalla. Eu no meio da corda, não guiei nada, mas me divertia com cada metro conquistado.
No início, a crista não apresentou muito trabalho, mas na medida que ganhávamos altitude, as dificuldades foram se apresentando maiores. A qualidade da neve alterava entre ótima para proteção e “nem tão boa assim”. 3 horas mais tarde, lá estávamos nós, numa linda crista, eu no meio de uma cordada, a 3.600m de altitude. O vento gelado tocava a nossa espinha e nos deixava tremendo de frio, isso mesmo com um céu de brigadeiro de tão azul e sem nuvem. Ainda nos encontrávamos a 500 metros do cume e todos se encontravam exaustos e os metros finais se mostravam como os mais difíceis do dia, com uma crista muito fina e uns 10 ou 20 metros bem verticais com gelo azul, azul. Eu que não havia guiado nada estava tranqüila para continuar, mas ninguém mais queria subir.
Demos meia volta e iniciamos nossa longa descida, que se demonstrou mais longa e trabalhosa do que pensávamos. Descer a headwall foi desafiante, o sol já não nos aquecia e o vento era constante e frio. A temperatura caia a cada segundo e nós nos movimentávamos com danças e pulos para nos aquecer. Ao mesmo tempo, nos mantínhamos alerta aos procedimentos que nos deixavam seguros.
Chegamos de volta ao acampamento cerca de 1 hora da manhã, com frio, fome e sono. E assim, voltei do Alaska sem nenhum cume, mas com muito aprendizado.

As cores do Alaska


Akira Kurosawa que me desculpe, mas a imensidão não é azul, é branca! Pelo menos no Alaska é assim. Alias, nem sei se esse filme é dele, mas me parece ser. A cadeia montanhosa Chugach é um mar de branco com alguns pontos negros das rochas que aparecem e as vezes o azul do céu. Mas vários dias, as únicas cores que vimos além do branco vinham dos nossos casacos coloridos, barracas verdes e equipamento em geral. Tivemos alguns dias assim: tudo branco. A nevoa era tão baixa que se juntava com o glaciar e você não conseguia ver metros a frente, e a luz era tão plana que a perspectiva desaparecia. Algo que é quase plano parece íngreme e vice-versa.
E assim passamos nossos dias no Alaska, num mundo de poucas cores, quase sem vida, mas que te surpreende a cada momento com sua beleza imensa e magnitude incomparável.

Viagem de Primeira

Foi uma viagem de muitas primeiras vezes: primeira vez no Alaska, primeira vez cavando uma cozinha na neve, primeira vez montando uma parede de blocos de neve contra o vento, primeira vez montando um iglu... Poderia enumerar muitas outras primeiras vezes, mas nada se compara com a primeira vez numa greta. Calma, não cai nessa greta não, desci controladamente.
Os glaciares são rios congelados em movimento e em locais onde a tensão e muito grande, umas fendas são formadas com o objetivo de liberar essa tensão, formando então as gretas que são tão temidas por montanhistas. Cair dentro de uma greta enquanto encordado não é nada agradável e para sair o montanhista que caiu ascende por corda fixa ou os companheiros tem que iça-lo/a. Cair numa greta sem estar com uma corda de segurança, pode significar um susto muito grande ou até a morte, dependendo do tamanho da greta e da queda. Por isso, andávamos sempre encordados, seja caminhando ou esquiando. O esqui era usado como meio de transporte para termos um objeto com uma maior massa e assim uma melhor flutuabilidade na neve.
Foi logo no inicio da expedição, acho que no primeiro ou segundo dia no glaciar. O dia amanheceu lindo e fomos em direção a uma mega greta que havíamos avistado do avião. Em meia hora estávamos ali, esperando as pessoas que estavam na frente da corda determinar uma área segura, perto da borda da greta para todos nós ficarmos.
Perímetro de segurança estabelecido, ancoragens montadas, cordas fixas e... não descemos. Não conseguíamos ver se estávamos em cima de um teto de gelo ou não e se estivéssemos, o exercício estaria comprometido.

Mas aproveitei uma das cordas fixas, cheguei na beirada e dei uma espiada lá dentro. A greta era enorme, uns 25 metros de comprimento, 5 metros de largura e 15 de profundidade; isso até onde conseguíamos ver, pois ela deveria ser bem mais profunda. As formações de gelo pareciam ter sido esculpidas por um artesão surrealista de tão lindas que eram. As cores viam em tons de azuis, brancos e um preto bem escuro das profundezas geladas da fenda.
Voltei ao meu grupo e demos a volta para o outro lado da greta, onde novamente estabelecemos o perímetro de segurança, montamos as ancoragens e fixamos as cordas. Ali sim estava seguro para descermos e com tudo pronto, logo me prontifiquei a ser a primeira a descer. O objetivo era treinar ascensão por corda fixa, mas eu queria mesmo era entrar naquele mundo gelado!

E assim desci, rapelando na corda fixa, até a ponte de neve que parecia o chão, mas não era. Me senti pequena diante da grandiosidade da greta. Somos realmente um sopro na história do mundo e essa história estava registrada nas paredes daquela greta, mostrando os milhares de anos que demorou para ela ser formada.

Alaska, Primeiras Impressoes


Existe uma palavra em inglês que descreve exatamente como eu me sentia dentro daquele minúsculo avião: awe. Algumas pessoas traduziriam como deslumbramento, outros como admiração. Naquele momento, eu sentia uma mistura dos dois. Era como se eu estivesse em outro mundo. "Pera ai!" Eu estava em outro mundo: o mundo congelado da cadeia montanhosa Chugach, no Alaska!
A cadeia Chugach fica no sul do Alaska, perto do Pacífico. Seu nome vem de uma tribo esquimó, os Chugachmiut. É o local do mundo onde mais se neva anualmente, com uma média de mais de 1500cm! Esse link da uma idéia da sua extensão e localização: http://maps.google.com/maps?f=q&source=s_q&hl=en&geocode=&q=chugach+mountains,+alaska&sll=61.689872,-148.597641&sspn=0.10111,0.361862&ie=UTF8&ll=61.429574,-147.488708&spn=1.631387,5.789795&t=h&z=8

Estávamos percorrendo as milhas que nos separavam do nosso primeiro acampamento no glaciar em um aviãozinho que mais me amedrontava do que qualquer outra coisa. Ele voava entre as montanhas e não sobre elas para economizar combustível. Depois de um tempinho, me acostumei com seu barulho e comecei a apreciar ainda mais as paisagens maravilhosas que iam surgindo. Víamos lá em baixo os rios congelados cortando e cavando os vales e formando o caminho que iríamos percorrer dentro de alguns dias. Estava deslumbrada com as montanhas que surgiam a cada segundo e que mostravam um mundo completamente distinto do meu. Em vez do verde da Mata Atlântica, era o branco da neve que cobria as montanhas. O bonito granito da Serra dos Órgãos foi substituído por uma rocha friável e podre que nem eu gostaria de escalar, mas que acentuava o contraste entre o céu azul anil e o branco resplandecente da neve.
No Alaska é isso que temos, basicamente três cores: azul, branco e preto. Mas as vezes, nem isso, pois baixa uma tempestade ou nevoa e tudo fica branco, nos tirando a perspectiva da onde e neve e onde e nevoa.
Enquanto o avião se aproximava, eu continuava a analisar o que me esperava pela frente, até que me apontaram uns pontos pretos lá em baixo, no meio do branco do glaciar que pareciam pedras, mas que eram, na realidade, nossos companheiros de expedição. Pronto, era isso! Estávamos ali no nosso primeiro destino: o glaciar Nelchina, um imenso branco circundado por lindas montanhas.

O avião pousou e decolou e nos ficamos ali saboreando o fato de estarmos sozinhos no meio das montanhas. Mas o trabalho nos esperava, precisávamos montar nosso acampamento. 4 horas cavando muita neve para construir a cozinha, banheiro e parede de vento ao longo da barraca e pronto, podemos descansar.

14 de abr. de 2009

S de....



S de SIM, vamos tentar escalar! A ventana era bem meia boca, uma brecha entre dois dias de vento e chuva. Mas a 5ª feira prometia ter, mais ou menos, 12 horas de tempo bom com o vento moderado. E depois de quase 20 dias com neve, chuva e vento, essa era nossa chance!

S de SINTONIA. Não chegou a ser uma parceria, mas a sintonia estava rolando. Eu e a Gabi tínhamos ido ao Passo Superior juntas e com toda a confusão que rolou, acabamos criando uma sintonia e amizade, o que nos levou a querer escalar juntas.


S de SENDERO, que significa trilha em espanhol. A trilha já estava marcada em minha mente, mas era a primeira vez que ia sem alguém que a conhecia melhor do que eu. Estava inquieta. O primeiro glaciar passou sem muito problema, mas o segundo glaciar se mostrava bem diferente. A ponte sobre o primeiro rio havia caído e demoramos um bom tempo buscando um novo caminho. O vento era tanto que foi me empurrando bem sem que eu percebesse. Ao me dar conta, estávamos bem mais a direita do que deveríamos. O glaciar perto de Niponinos (um bivaque avançado) se encontrava com muito mais gretas, nos mandando para lá e para cá, num vai e vem para desviar delas. Depois de Niponinos, a subida até o nosso bivaque (o mesmo do Claro de Luna), demorou 2 horas e 10 minutos, indo num ritmo tranqüilo e conseguimos chegar ali ainda com luz, 8 horas depois de ter saído de Chalten.

S de SATISFAÇÃO por estar na montanha, dormindo sob as estrelas e o olhar constante do Cerro Torre e seus satélites. Satisfação de ir dormir tranqüila e na paz que só as montanhas nos trazem.

S de SERENA. Foi como a noite foi. Depois de oito horas de caminhada com vento forte, a escuridão trouxe consigo a calmaria de uma noite sem vento e relativamente quente. O bivaque, meio torto e com pedras no chão não impediram uma noite de um sono tranquilo.

S de SUBIR. O despertador nos acordou as 3:30 da manha. Comemos, organizamos as coisas e uma hora depois começamos a aproximação para a base da via. As duas horas e meia previstas se transformaram em quatro de muito toca pra cima. O vento, o frio e a escuridão tornaram tudo mais complicado. Foram diversas passadas de escalada, muito cascalho e neve para subir.

S de SURPREENDER. As informações que tínhamos era que não necessitávamos piquetas ou grampons. Mas as condições em constante mudança nessas montanhas se demonstraram diferentes e nos surpreendeu uma neve congelada e muito escorregadia. Ou seja, muitos degraus foram cavados para podermos subir. Como a Gabi tinha mais dificuldade e andava mais devagar do que eu, eu ia na frente com uma pedra cavando os degraus e ela vinha atrás com a única piqueta que tínhamos. Me surpreendi com minha tranqüilidade de subir com tênis, sem grampons, sem piqueta e cavando os degraus com uma pedra.

S de SURREAL. A base da via era na verdade lá em baixo na face leste. Nós subimos pela face oeste até o colo entre a Saint Exupéry e a de la S, onde começamos a escalar. Nesse exato ponto, o frio e o vento eram tão intensos que cogitamos desistir, mas persistimos pois sabíamos que a face leste seria mais protegida do vento e estaria com sol. E assim, parti para a primeira enfiada. Minha suspeita estava certa e parei no primeiro platô com sol e sem vento para tirar a Gabi do frio. A diferença de temperatura era surreal e pela primeira vez no dia começamos a relembrar o que era se sentir bem na montanha.

S de SERÁ que é por aqui ou por ali? Depois de uma curta e fácil enfiada, chegamos na base das enfiadas finais para o cume. Ali, víamos a aresta nordeste, uma chaminé e fissuras à direita. Nossas informações diziam que as fissuras era a melhor opção, então comecei a escalar ali mesmo. Foram 70 metros de fissuras, fendas, off widths, chaminé, alternando boas proteções com outras mais duvidosas até que parei em um platô e coloquei a Gabi em segurança.

S de “SAIR PELA TANGENTE”. Dessa reunião, tentei ir pela direita, mas resolvi sair pela tangente e pegar a fenda da esquerda. Uns dois metros de artificial me levaram a base de uma fissura de dedos de 6ª+ (grau francês), a qual escalei e protegi como consegui. A cada passada pensava que a via era para ser um 5+, mas como já estávamos alto, quase no cume, continuava a subir.

S de “SINTO MUITO”, mas a fissura acabou, os móveis acabaram e o tempo se esgotou. É hora de descer!

S de SUSPENDER a escalada. Estávamos a uns 50 metros do cume, mas não sabia mais por onde ir. Tentei fazer um pêndulo que me levou a fissuras ainda mais difíceis, esparsas e não tão boas para proteger, nada atrativo.

S de SABEDORIA. Nem sempre podemos chegar ao cume. O importante é ter a sabedoria e tranqüilidade para poder dar meia volta e descer com calma, pois o caminho até Chalten é longo. A montanha estará aí para que possamos, mais uma vez, tentar subi-la.

S de SINISTRO que foi a volta. A chuva e o vento começaram ainda antes de chegar em Polacos, a mais ou menos 25 km de Chalten. Não podíamos parar, pois tínhamos que chegar a Chalten ainda essa noite. Cruzar o glaciar com um vento ainda mais sinistro do que quando viemos foi uma aventura que não gostaria de passar de novo. Tombos, tropeços e medo de cair em gretas nos dominavam, mas não ousávamos parar. Cada segundo sem se movimentar era tempo suficiente para que o frio se apoderasse de nosso corpo. Além disso, queríamos cruzar o glaciar ainda com luz e apenas nos faltavam 1 horas e meia.

S de DE LA S... voltarei, um dia e quizas haré la cumbre!!!

S de SOUT no SEBA. 23 horas depois de ter acordado no bivaque, chego de banho tomado, mas ainda encharcada no Sebá, para a última noite de Stout em Chalten.

S de SAUDADE que já começou a bater sem nem ter ido embora. Saudade desse pueblo chiquito que me conquistou no momento em que cheguei. Tchau, Chalten, até a próxima temporada.

La Brecha, a escalada da Media Luna


La brecha ou ventana é como os escaladores e moradores de Chalten chamam uma janela de bom tempo. É quando os ventos uivantes e as chuvas que caem diante de céu azul dão uma brecha e o sol aparece e nós, escaladores, conseguimos escalar. Na Patagônia é assim, tudo depende da ventana e de quanto tempo ela irá durar para então moldarmos nossos planos de qual montanha e qual via subir.
Havia uma janela de bom tempo para o dia 23 de janeiro, mas era curta e ainda chovia pela manhã; realmente não era muito animador subir. A janela era tão espremida que Sblen e Bernardo não queriam subir, mas eu queria tentar de qualquer jeito, algo me dizia que tínhamos boas chances de fazer cume. O tempo foi passando e minha vontade de subir aumentava na medida que via diversas pessoas caminhando com mochilas pesadas na direção das montanhas. Mas nós ficávamos na cidade.

Eis que surge o Jorgito (um escalador de Bariloche que estava em Chalten desde outubro) na nossa vida que nos estimulou a tentar mesmo com pouco tempo de janela. Já era tarde (lá pelas 7 da noite) e não tínhamos mais tempo de subir com as coisas para dormir perto da via, a única estratégia que nos restava era fazer um longo dia e sair de Chalten e voltar a Chalten numa tacada só. Isso significava que teríamos que andar 25 km, escalar 500 metros de via e voltar os 25 km até Chalten, uma empreitada nada fácil e nada encorajadora. Mas finalmente meus parceiros foram convencidos a subir e começamos os preparativos.
Não dormimos muito até acordar com o despertador a 1:30 da manhã. Meia hora depois já estávamos com as mochilas nas costas, iniciando a trilha que nos levaria à Media Luna, nosso objetivo dessa vez.
Para chegar lá passamos pelo acampamento Bridwell, cruzamos a tirolesa no Rio Fitz Roy, subimos a floresta, cruzamos o riacho, descemos a morena para o primeiro glaciar, saímos do primeiro glaciar por uma outra morena, chegamos no segundo glaciar, cruzamos os dois rios desse glaciar, andamos por mais morenas, mais glaciar, e mais morenas até que chegamos no bivaque Niponinos cinco horas e meia depois de ter saído de Chalten, ou seja, eram 7:30 da manhã. Ufa!

Mas não tínhamos muito tempo para descansar, pois ainda tínhamos mais uma hora e meia até a base da via e dessa vez por uma trilha que não conhecíamos. Comemos rapidamente um café da manhã com sopa e continuamos nosso caminho, que seguia por morenas instáveis até atingir o glaciar que contorna a base da montanha. Esse glaciar dá o nome à essa agulha com sua forma em | “media luna” que circunda a sua base.

Já na trilha avistamos que havia duas cordadas tentando a mesma montanha, uma seguia pelo off width da direita (a linha original da via) e outra pela linha de rapel, à esquerda. Decidimos subir pelo meio para não ficar atrás de nenhuma cordada e porque de acordo com o Jorgito ali era fácil e a rocha sólida.

Começamos a escalar um pouco depois das 10 justamente seguindo a linha recomendada pelo Jorgito. Porém, não sei se nossa concepção de rocha podre é diferente da do Jorgito ou se nós três nos confundimos em nosso “portunhol” e entendemos errado o que ele nos disse, porque ali a rocha era muito, mas muito podre.

A previsão dizia que iria chover no início da tarde, portanto nossa estratégia foi deixar o Bernardo guiar tudo, uma vez que ele guia mais rápido do que eu ou Sblen. Eita exercício de humildade! E assim ele seguiu pelas rochas podres e íngrimes, se puxando pelos pitons que de tão frágeis, um chegou a entortar com seu peso e protegendo onde podia e conseguia com peças não confiáveis. Essa era a concepção de fácil para o Jorgito?! Foi inevitável, uma pedra caiu e me atingiu bem na cabeça. Por sorte ela acertou bem o meio do capacete, me deixando muito assustada, mas sem nenhum dano físico.

Corríamos contra o tempo para ultrapassar os escaladores da direita e os da esquerda e para evitar a chuva que estava prevista. Subimos sem nem pestanejar nessa primeira parte da via até que tivemos certeza que estávamos na frente das outras cordadas. Até então nossa visão do Oeste estava obstruída pela própria parede da Media Luna, mas ao chegarmos ao ombro isso mudou e eis que surge ele, o Torre, com seu aterrorizante e impressionante cogumelo de gelo sobre um cume de pedra. As nuvens passavam por toda sua parede em uma velocidade que diziam que o vento estava mais forte do que gostaríamos, mas por incrível que pareça nos encontrávamos abrigados, pois o próprio Torre bloqueava o vento que vinha do Oeste e nos deixava numa posição privilegiada.

Do ombro, saíram umas das melhores enfiadas de escalada que já fiz na minha vida: um sistema de fendas incríveis que cortavam um lindo granito liso e branco. Mas a parte mais difícil da via ainda estava por vir e Bernardo cismou em ir por um lado onde não dava para proteger. A tensão foi grande e aumentava com cada metro que ele ganhava, escalando um difícil off width.
Quase não respirávamos, pois sabíamos que um acidente ali seria um problema sério. Com dificuldade constante e impossibilidade de proteger, Berna finalmente resolveu desescalar, o que não foi nem um pouco mais seguro ou fácil, mas com sua técnica apurada, ele chegou com segurança na parada onde estávamos. Ofereci para guiar no lugar dele, mas fiquei feliz quando ele disse que continuaria, afinal, a fenda apesar de protegível e por isso mais segura, ainda era muito difícil.

Mas enfim chegamos a “La Cumbre” (o cume) às 3:30 da tarde.
O tempo estava lindo, um céu azul, o vento tranquilo, e a chuva prevista nunca chegou. De um lado, o imponente Torre voltou a aparecer e do outro o majestoso Fitz Roy e as montanhas ao seu redor nos felicitavam. As fotos tradicionais de cume foram tiradas e abraços dados, a felicidade era completa. Mas vida de escalador na Patagônia é estar em constante movimento e depois de um rápido lanche descemos, pois ali estávamos exatamente na metade do caminho e ainda tínhamos muito terreno para percorrer até nossa barraca, exatamente 500 metros de rapel e mais 25 km de caminhada.

Chegamos de volta na base 7 horas depois de ter começado a escalar. O longo caminho de volta nos esperava e descemos escorregando na neve, no cascalho e nas morenas até Niponinos. No meio do caminho um outro susto: Bernardo que descia na frente, cai e rola, quase dando cambalhotas, uns 3 metros. Congelei. Da maneira que ele caiu pareceu que tinha torcido o tornozelo ou joelho e mesmo não estando mais na parede, um resgate ali ainda era muito complicado. Durante uns 5 minutos de angústia esperamos ele se recuperar da dor e da tonteira para que nos pudesse dizer que não havia torcido nada, “apenas” havia batido o joelho muito forte em uma pedra. Foi nesse exato momento que percebi que meu joelho começava a doer. Como já tenho esse problema há tempos, sabia que era algo que iria me perseguir durante todo o caminho e que não tinha muito que fazer além de tomar um antiinflamatório e prosseguir.


Em Niponinos, cogitamos parar e cozinhar algo mais substancial para comer, mas ainda tínhamos um longo caminho pela frente, 23 km, e decidimos continuar para aproveitar o máximo de luz possível. Andamos com luz do dia até cruzar a tirolesa e só as ultimas duas horas de caminhada foram com headlamp. Essa foi a pior parte de todo dia, o cansaço era monstruoso e todas as partes do corpo doíam. Estávamos também mais pesados, pois trouxemos todos os equipamentos que se encontravam escondidos em Niponinos de volta a Chalten. Meu joelho reclamava de cada passo e não conseguia mais andar rápido. Quase dormimos ao sentar por alguns minutos para beber água.

Chegamos em “casa” a 1 da manha, depois de 23 horas de exercício intenso. Eu estava anestesiada de tanto cansaço e fui direto dormir, enquanto que os meninos ainda comeram alguma coisa.

Parando para pensar, o dia foi perfeito e deu tudo certo, a chuva nunca chegou e nós fomos abençoados com um dia maravilhoso e uma escalada incrível num dos vales mais bonitos que conheço, mas não gostaria de fazer uma empretiada dessa de novo. Dormi tranquila e feliz, tendo feito a Media Luna na meia lua e a Claro de Luna na lua cheia. Só posso dizer puooorrraa, muito maneiro!!!

8 de abr. de 2009

Superação de Limites - Claro de Luna


Cheguei em Chalten derrotada com os dois dias de porteio que eu e Sblen fizemos. Uma notícia boa, mas nem tanto, me esperava e foi só ver o brilho nos olhos do Berna para saber que tínhamos uma janela pela frente. O problema era que a janela requeria que a gente começasse a subir no dia seguinte e apesar de minha mente e coração dizerem sim, meu corpo dizia não!

Fui dormir com a grande dúvida se eu ia ou não escalar. A janela era boa, muito boa! Era, na verdade, uma janela perfeita para tentar a Claro de Luna, na Saint Exupéry, uma via de 800 metros com dificuldade constante de 6º, muitos 7º e crux de 7c. Mas meus pés reclamavam das bolhas e meu corpo inteiro doía. Será que eu iria conseguir escalar desse jeito? Minha mente fervilhava com essa questão, mas não demorou muito para o cansaço vencer e eu cair em um sono profundo. No dia seguinte, não tive dúvidas que iria tentar. Não sabia se ia conseguir ou não, muitas coisas me diziam que não, mas queria tentar de qualquer jeito. Conversei com o Berna sobre isso e ele topou subir comigo assim mesmo. Sblen, com os pés destroçados de tantas bolhas sinistras, não iria com a gente.

Arrumamos as mochilas e partimos para Bridwell, um acampamento a 2 horas de Chalten. Minha mochila pesava muito no meu corpo cansado. Não é que ela estivesse muito pesada, afinal o Bernardo estava com uma mochila bem mais pesada do que a minha, mas eu estava acabada. Mas chegamos em Bridwell, comemos e dormimos para sair no dia seguinte para o próximo bivaque, no pé da Saint Exupéry.

A mochila foi muito bem arrumada para começar o dia com a tirolesa sobre o Rio Fitz Roy. O Rio adora engolir equipamentos nas triolesas; um amigo perdeu a sapatilha e a headlamp e eu não queria perder nada. Depois da tirolesa, uma subida tranqüila pela floresta até que começamos a descer para o glaciar através de morenas (elas de novo!).

O primeiro glaciar passou rápido. As gretas eram bem visíveis e Berna conhecia bem o caminho e depois de muito pula greta e sobe e desce, a gente chegou na morena que liga esse glaciar ao segundo glaciar (o da Adela). Nesse segundo glaciar, que leva ao vale do Torre, tem o desafio extra de cruzar dois rios, mas o primeiro não nos apresentou dificuldade nenhuma. O segundo rio era fundo e com correnteza forte e começamos a jogar pedras em seu curso para tentar criar um lugar onde botar o pé, mas todas as pedras, independente de seu tamanho, eram levadas pela corrente. O jeito foi pular rapidamente para o outro lado, tentado molhar apenas um pé.

O vale do Torre está incrustado entre o cordão do Fitz e o cordão do Torre e é por ali, nessa meiuca de montanhas maravilhosas, que percorríamos os últimos quilômetros de glaciar e morenas para chegar a Nipo ninos. Nipo ninos é um bivaque que foi criado por acaso por uns escaladores que não conseguiram achar o bivaque buscado. O que existia até então era o bivaque noruegos para quem ia escalar no cordão do Torre (Torre, Egger, Standart e Media Luna) e o bivaque polacos para quem ia escalar no cordão do Fitz (de la S, Saint Exupéry, Raphael, Desmochada, Silla e Poincenot). Mas os escaladores ficaram no meio, lá embaixo no vale, criando o bivaque Nipo ninos (ni polacos ni noruegos). Depois de comer e pegar os equipamentos que tinham sido deixados aqui pelo Berna, nos pusemos a andar novamente, em direção a nosso destino: um bivaque na base da Saint Exupery. Agora sim minha mochila estava pesada.

A subida demorou duas horas, mas finalmente chegamos ao final da nossa jornada desse dia. Estávamos bem próximos à base da Claro de Luna e o tempo estava perfeito: céu azul e (incrivelmente) sem vento e ainda tínhamos tempo de cozinhar, comer e arrumar as coisas com luz. Demos uma boa olhada na linha da via, e nos colocamos dentro de nossos sacos de dormir para uma noite sob o olhar atento do Cerro Torre e seus satélites. Mas que lugarzinho lindo!

O despertador tocou às 5 horas da manhã. Nossa noite não havia sido das melhores, pois as diversas pedrinhas presentes no chão não deixavam nossa “cama” tão confortável quanto gostaríamos. Mesmo sem vento, o frio era grande e sair do calor do saco de dormir era o primeiro desafio do dia. Logo começou a clarear e pudemos desfrutar de um lindo amanhecer, um dos mais bonitos que já presenciei. Estávamos alto no vale do Torre e era ele mesmo, imponente do outro lado do vale, que nos mostrava em seus íngrimes paredões rochosos os primeiros raios de sol.


Engolimos nosso café da manhã e fomos para a escalada. Chegamos na base e já tinham duas cordadas na nossa frente, éramos a terceira cordada na mesma via. Longe de ser o ideal em um lugar comum, essa colocação pode ser um pesadelo na Patagônia. O casal que estava na frente escalava relativamente rápido, mas demorava horas nas paradas e nos procedimentos. Já na primeira parada da via, ficamos mais de uma hora esperando no frio. Eu e Bernardo nos entre olhamos e falamos: vamos para o cume!

Revezamos algumas poucas enfiadas. A via era bem difícil e como precisávamos de agilidade, Bernardo era a pessoa indicada para guiar. Além disso, meu cansaço era monstruoso, afinal era o 5º dia seguido de muito exercício. Só que, a responsabilidade de carregar a mochila era, obviamente, do participante (eu na maior parte da via) e nossa mochila não estava nada leve. Na verdade, o peso era tão grande, que na segunda parada, jogamos quase 2 litros de água fora e subimos apenas com 2 litros para nós dois. Mesmo assim, todos os casacos e outras roupas de frio, mais a comida e a água ainda deixavam a mochila um trambolho grande e pesado. E assim eu subia, lutando contra a gravidade que me puxava para baixo em cada movimento em que eu tinha que levantar o meu peso e o da mochila.


Os metros e o tempo foram passando, mas o casal não andava mais rápido e nossa paciência foi se esgotando. Sem dúvida nenhuma, nós éramos a cordada mais rápida da parede e estávamos em último lugar e não havia oportunidade de passar. Já havíamos escalado 2/3 da via e eram 4 e meia da tarde, hora que pensamos que estaríamos no cume, quando uma cordada ofereceu para a gente passar e a outra decidiu descer. Novamente, eu e Berna nos olhamos e sem nem pestanejar falamos que íamos para o cume. Descer com o tempo bom do jeito que estava não era uma opção para a gente.

Olhamos para cima e pela primeira vez no dia vimos a parede somente para a gente. Não hesitamos e escalamos com muita eficiência, “comendo pedra” e passando por lances sensacionais que faziam do nosso dia uma experiência ainda mais incrível. Subimos quatro enfiadas enquanto que o casal que nos retardaram tinha subido apenas uma, ainda bem que os passamos. Eu não cogitava mais em guiar, o lance era subir rapidamente para aproveitar toda a luz que tínhamos. Além disso, a fadiga tinha tomado conta do meu corpo. Várias vezes, Berna me ajudou com a corda, quase me rebocando em algumas passadas para que eu conseguisse subir mais rápido. Nunca havia escalado assim, sendo rebocada, mas ali era necessário, pois rapidez e eficiência na Patagônia são sinônimos de segurança.



Chegamos ao cume as 7:30 da noite, muito felizes! Dali, a vista era maravilhosa: ao leste, Chalten nos dava as boas vindas; ao Sul, a pequena de La S nos avisava que estávamos ainda bem alto e que isso era metade do caminho; ao Norte, o Fitz imperava sobre todos nós, e ao oeste, o vale do Torre nos chamava de volta. Mal ficamos no cume, pois tínhamos um longo caminho até o bivaque e queríamos aproveitar cada segundo de luz.

Rapelamos como escalamos: com eficiência e segurança. Eu abrindo o rapel e Berna me seguindo com a mochila (por fim, me livrei dela!). Chegamos na base do rapel e escureceu, eram 11 horas da noite. Ainda tínhamos um bom caminho desconhecido até o bivaque, que percorremos com segurança, montando rapeis para passar as partes mais complicadas e descendo cada metro com muita atenção.

Chegamos ao bivaque a 1 da manha, exaustos e felizes. No dia seguinte, voltamos os 20km até Bridwell. A ideia era passar reto e ir para Chalten, mas a barraca nos “engoliu” e resolvemos ficar por ali mesmo e continuar o caminho no dia seguinte. Vimos as fotos de todas as aventuras até então, relembrando momentos preciosos e engraçados enquanto escutávamos e cantávamos Legião, Paralamas e outros sucessos da década de 80 no Ipod do Berna.

A sensação era maravilhosa: havíamos escalado uma via incrível que já foi considerada uma das 10 melhores do mundo e tudo tinha dado certo. Aprendi muito sobre superação, pois realmente não sabia se iria conseguir fazer essa escalada pelo estado desgastado em que me encontrava, mas minha determinação falou mais alto e consegui ir além dos meus limites. Aprendi muito sobre parceria na montanha, pois não teria conseguido se não fosse a ajuda do Berna que além de ter carregado mais peso, me rebocado no final da escalada, me estimulava a continuar com sua determinação, energia positiva e vontade de chegar ao cume. Valeu, Berna!!!!!!!!!

Equipo:
Friends: 1 jogo de camalots até o camalot 4 , (incluindo os pequenos e o 00) e repetindo do 0.75 até o 3.
1 jogo de Nuts
2 cordas duplas
16 costuras
Cordeletes para abandono