1 de abr. de 2009

Sobre escalar em Chalten

Escalar em Chalten exige uma combinação de habilidades para que tudo saia o mais próximo da maneira prevista e a escalada flua com eficiência. Lá é necessário ir além dos seus limites para entrar e sair da montanha o mais rápido possível. Isso porque na Patagônia tudo pode mudar em questão de minutos e sem essa eficiência, seus planos poderão ser levados junto com a primeira rajada de vento que anuncia a mudança eminente no clima.

Tudo começa com a logística: quando será a “ventana”, ou seja, que dias o clima estará bom, montanha e via objetivadas, equipamentos necessários, por qual trilha subir, onde dormir, o que comer, rotas de fuga, seus parceiros. A logística é, na verdade, um grande ingrediente do sucesso da empreitada e se ela não for planejada com muito cuidado, levando em conta todos os fatores envolvidos, possivelmente o objetivo estará comprometido.

Mas as habilidades exigidas não param aí. É necessário um bom condicionamento físico para percorrer as longas distâncias entre a cidade e a base das vias. As trilhas são extremamente exigentes e tem uma média de 15-25 km cada perna. As trilhas mais curtas possuem um declive muito acentuado e as mais longas parecem não chegar nunca, ainda mais com o peso que carregamos nas costas.

Uma vez na base da montanha objetivada, outra habilidade entra em ação: a técnica de escalada em si. As vias mais fáceis estão na casa do 5º sup, e para escalar confortavelmente e com segurança, é necessário estar escalando pelo menos um 6º grau. Mas mais do que a técnica em si, Chalten exige muita experiência e uma agilidade grande em procedimentos para poder escalar com eficiência e rapidez. Cada minuto perdido nas paradas conta, pois sair da montanha rapidamente é sinônimo de segurança.

Em todo momento e tudo ao redor te diz para dar meia volta e ir tomar uma cerveja em Chalten: a “ventana” que não é tão boa quanto esperada, as nuvens que não desaparecem do céu, a mochila pesada nas costas, a bota desconfortável, a trilha interminável, o bivaque desconfortável, a via exigente, o vento que sopra, o cansaço, a incerteza... TUDO te fala para não continuar e por isso uma das habilidades mais exigidas em Chalten é a determinação. De nada adianta estar com um bom condicionamento físico, estar escalando mais forte do que nunca, ter planejado perfeitamente a logística, se você não tem determinação e vontade de atingir seu objetivo. A solução mais fácil sempre é desistir e arrumar alguma desculpa para não ter feito o que havia proposto. Difícil é se motivar, continuar e ter a determinação de realizar seu sonho e atingir seu objetivo sem sair dos padrões de segurança.

A complexidade de escalar em Chalten é grande e qualquer deficiência em uma dessas habilidades custa tempo, recurso e pode significar você atingir ou não seu objetivo.

Cada tentativa de escalar em Chalten é válida é uma grande oportunidade de aprendizado. As experiências vividas despertam sentimentos fortes e profundos incitando questionamentos, estimulando uma revisão de valores e conceitos e aprofundando o auto conhecimento. Cada entrada na montanha é um convite à expansão da sua zona e conforto, à superação de seus limites e ao estímulo de mudanças profundas.

Não conheço nenhum lugar onde aprendi mais sobre o que é parceria na montanha e sobre como nós somos apenas do tamanho de uma formiga na escala de tempo e espaço. Foi, definitivamente, o lugar onde mais aprendi sobre mim mesma e me redescobri como uma pessoa um pouco mais consciente de quem sou e do que quero para mim e para o mundo. Só por isso já valeu a pena estar lá, mas felizmente fui além e consegui juntar um pouco das minhas habilidades e atingir quatro cumes nos dois meses e meio que passei nesse pueblo encravado no coração do Parque Nacional Los Glaciares, na Argentina.

Um comentário:

  1. Sensacional! Para quem gosta de obstáculos ... e realmente p quem não gosta...não gosta de VIDA!
    Parabéns por sua determinação e principalmente por estar fazendo o que Ama de verdade! Independente de todas as dificuldades.
    Bjão.
    Andréa C. Hardensett

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