
La brecha ou ventana é como os escaladores e moradores de Chalten chamam uma janela de bom tempo. É quando os ventos uivantes e as chuvas que caem diante de céu azul dão uma brecha e o sol aparece e nós, escaladores, conseguimos escalar. Na Patagônia é assim, tudo depende da ventana e de quanto tempo ela irá durar para então moldarmos nossos planos de qual montanha e qual via subir.
Havia uma janela de bom tempo para o dia 23 de janeiro, mas era curta e ainda chovia pela manhã; realmente não era muito animador subir. A janela era tão espremida que Sblen e Bernardo não queriam subir, mas eu queria tentar de qualquer jeito, algo me dizia que tínhamos boas chances de fazer cume. O tempo foi passando e minha vontade de subir aumentava na medida que via diversas pessoas caminhando com mochilas pesadas na direção das montanhas. Mas nós ficávamos na cidade.

Eis que surge o Jorgito (um escalador de Bariloche que estava em Chalten desde outubro) na nossa vida que nos estimulou a tentar mesmo com pouco tempo de janela. Já era tarde (lá pelas 7 da noite) e não tínhamos mais tempo de subir com as coisas para dormir perto da via, a única estratégia que nos restava era fazer um longo dia e sair de Chalten e voltar a Chalten numa tacada só. Isso significava que teríamos que andar 25 km, escalar 500 metros de via e voltar os 25 km até Chalten, uma empreitada nada fácil e nada encorajadora. Mas finalmente meus parceiros foram convencidos a subir e começamos os preparativos.
Não dormimos muito até acordar com o despertador a 1:30 da manhã. Meia hora depois já estávamos com as mochilas nas costas, iniciando a trilha que nos levaria à Media Luna, nosso objetivo dessa vez.

Mas não tínhamos muito tempo para descansar, pois ainda tínhamos mais uma hora e meia até a base da via e dessa vez por uma trilha que não conhecíamos.

Já na trilha avistamos que havia duas cordadas tentando a mesma montanha, uma seguia pelo off width da direita (a linha original da via) e outra pela linha de rapel, à esquerda. Decidimos subir pelo meio para não ficar atrás de nenhuma cordada e porque de acordo com o Jorgito ali era fácil e a rocha sólida.
Começamos a escalar um pouco depois das 10 justamente seguindo a linha recomendada pelo Jorgito. Porém, não sei se nossa concepção de rocha podre é diferente da do Jorgito ou se nós três nos confundimos em nosso “portunhol” e entendemos errado o que ele nos disse, porque ali a rocha era muito, mas muito podre.
A previsão dizia que iria chover no início da tarde, portanto nossa estratégia foi deixar o Bernardo guiar tudo, uma vez que ele guia mais rápido do que eu ou Sblen. Eita exercício de humildade! E assim ele seguiu pelas rochas podres e íngrimes, se puxando pelos pitons que de tão frágeis, um chegou a entortar com seu peso e protegendo onde podia e conseguia com peças não confiáveis. Essa era a concepção de fácil para o Jorgito?! Foi inevitável, uma pedra caiu e me atingiu bem na cabeça. Por sorte ela acertou bem o meio do capacete, me deixando muito assustada, mas sem nenhum dano físico.
Corríamos contra o tempo para ultrapassar os escaladores da direita e os da esquerda e para evitar a chuva que estava prevista. Subimos sem nem pestanejar nessa primeira parte da via até que tivemos certeza que estávamos na frente das outras cordadas. Até então nossa visão do Oeste estava obstruída pela própria parede da Media Luna, mas ao chegarmos ao ombro isso mudou e eis que surge ele, o Torre, com seu aterrorizante e impressionante cogumelo de gelo sobre um cume de pedra.

Do ombro, saíram umas das melhores enfiadas de escalada que já fiz na minha vida: um sistema de fendas incríveis que cortavam um lindo granito liso e branco.

Quase não respirávamos, pois sabíamos que um acidente ali seria um problema sério. Com dificuldade constante e impossibilidade de proteger, Berna finalmente resolveu desescalar, o que não foi nem um pouco mais seguro ou fácil, mas com sua técnica apurada, ele chegou com segurança na parada onde estávamos. Ofereci para guiar no lugar dele, mas fiquei feliz quando ele disse que continuaria, afinal, a fenda apesar de protegível e por isso mais segura, ainda era muito difícil.
Mas enfim chegamos a “La Cumbre” (o cume) às 3:30 da tarde.


Chegamos de volta na base 7 horas depois de ter começado a escalar. O longo caminho de volta nos esperava e descemos escorregando na neve, no cascalho e nas morenas até Niponinos.

Em Niponinos, cogitamos parar e cozinhar algo mais substancial para comer, mas ainda tínhamos um longo caminho pela frente, 23 km, e decidimos continuar para aproveitar o máximo de luz possível. Andamos com luz do dia até cruzar a tirolesa e só as ultimas duas horas de caminhada foram com headlamp. Essa foi a pior parte de todo dia, o cansaço era monstruoso e todas as partes do corpo doíam. Estávamos também mais pesados, pois trouxemos todos os equipamentos que se encontravam escondidos em Niponinos de volta a Chalten. Meu joelho reclamava de cada passo e não conseguia mais andar rápido. Quase dormimos ao sentar por alguns minutos para beber água.
Chegamos em “casa” a 1 da manha, depois de 23 horas de exercício intenso. Eu estava anestesiada de tanto cansaço e fui direto dormir, enquanto que os meninos ainda comeram alguma coisa.
Parando para pensar, o dia foi perfeito e deu tudo certo, a chuva nunca chegou e nós fomos abençoados com um dia maravilhoso e uma escalada incrível num dos vales mais bonitos que conheço, mas não gostaria de fazer uma empretiada dessa de novo. Dormi tranquila e feliz, tendo feito a Media Luna na meia lua e a Claro de Luna na lua cheia. Só posso dizer puooorrraa, muito maneiro!!!
Kika o relato sensasional e as fotos fantásticas, já pode se inscrever:
ResponderExcluirhttp://groups.google.com.br/group/abfn?hl=pt-BR&lnk=gcamh
Parabéns!
abs.