14 de abr. de 2009

La Brecha, a escalada da Media Luna


La brecha ou ventana é como os escaladores e moradores de Chalten chamam uma janela de bom tempo. É quando os ventos uivantes e as chuvas que caem diante de céu azul dão uma brecha e o sol aparece e nós, escaladores, conseguimos escalar. Na Patagônia é assim, tudo depende da ventana e de quanto tempo ela irá durar para então moldarmos nossos planos de qual montanha e qual via subir.
Havia uma janela de bom tempo para o dia 23 de janeiro, mas era curta e ainda chovia pela manhã; realmente não era muito animador subir. A janela era tão espremida que Sblen e Bernardo não queriam subir, mas eu queria tentar de qualquer jeito, algo me dizia que tínhamos boas chances de fazer cume. O tempo foi passando e minha vontade de subir aumentava na medida que via diversas pessoas caminhando com mochilas pesadas na direção das montanhas. Mas nós ficávamos na cidade.

Eis que surge o Jorgito (um escalador de Bariloche que estava em Chalten desde outubro) na nossa vida que nos estimulou a tentar mesmo com pouco tempo de janela. Já era tarde (lá pelas 7 da noite) e não tínhamos mais tempo de subir com as coisas para dormir perto da via, a única estratégia que nos restava era fazer um longo dia e sair de Chalten e voltar a Chalten numa tacada só. Isso significava que teríamos que andar 25 km, escalar 500 metros de via e voltar os 25 km até Chalten, uma empreitada nada fácil e nada encorajadora. Mas finalmente meus parceiros foram convencidos a subir e começamos os preparativos.
Não dormimos muito até acordar com o despertador a 1:30 da manhã. Meia hora depois já estávamos com as mochilas nas costas, iniciando a trilha que nos levaria à Media Luna, nosso objetivo dessa vez.
Para chegar lá passamos pelo acampamento Bridwell, cruzamos a tirolesa no Rio Fitz Roy, subimos a floresta, cruzamos o riacho, descemos a morena para o primeiro glaciar, saímos do primeiro glaciar por uma outra morena, chegamos no segundo glaciar, cruzamos os dois rios desse glaciar, andamos por mais morenas, mais glaciar, e mais morenas até que chegamos no bivaque Niponinos cinco horas e meia depois de ter saído de Chalten, ou seja, eram 7:30 da manhã. Ufa!

Mas não tínhamos muito tempo para descansar, pois ainda tínhamos mais uma hora e meia até a base da via e dessa vez por uma trilha que não conhecíamos. Comemos rapidamente um café da manhã com sopa e continuamos nosso caminho, que seguia por morenas instáveis até atingir o glaciar que contorna a base da montanha. Esse glaciar dá o nome à essa agulha com sua forma em | “media luna” que circunda a sua base.

Já na trilha avistamos que havia duas cordadas tentando a mesma montanha, uma seguia pelo off width da direita (a linha original da via) e outra pela linha de rapel, à esquerda. Decidimos subir pelo meio para não ficar atrás de nenhuma cordada e porque de acordo com o Jorgito ali era fácil e a rocha sólida.

Começamos a escalar um pouco depois das 10 justamente seguindo a linha recomendada pelo Jorgito. Porém, não sei se nossa concepção de rocha podre é diferente da do Jorgito ou se nós três nos confundimos em nosso “portunhol” e entendemos errado o que ele nos disse, porque ali a rocha era muito, mas muito podre.

A previsão dizia que iria chover no início da tarde, portanto nossa estratégia foi deixar o Bernardo guiar tudo, uma vez que ele guia mais rápido do que eu ou Sblen. Eita exercício de humildade! E assim ele seguiu pelas rochas podres e íngrimes, se puxando pelos pitons que de tão frágeis, um chegou a entortar com seu peso e protegendo onde podia e conseguia com peças não confiáveis. Essa era a concepção de fácil para o Jorgito?! Foi inevitável, uma pedra caiu e me atingiu bem na cabeça. Por sorte ela acertou bem o meio do capacete, me deixando muito assustada, mas sem nenhum dano físico.

Corríamos contra o tempo para ultrapassar os escaladores da direita e os da esquerda e para evitar a chuva que estava prevista. Subimos sem nem pestanejar nessa primeira parte da via até que tivemos certeza que estávamos na frente das outras cordadas. Até então nossa visão do Oeste estava obstruída pela própria parede da Media Luna, mas ao chegarmos ao ombro isso mudou e eis que surge ele, o Torre, com seu aterrorizante e impressionante cogumelo de gelo sobre um cume de pedra. As nuvens passavam por toda sua parede em uma velocidade que diziam que o vento estava mais forte do que gostaríamos, mas por incrível que pareça nos encontrávamos abrigados, pois o próprio Torre bloqueava o vento que vinha do Oeste e nos deixava numa posição privilegiada.

Do ombro, saíram umas das melhores enfiadas de escalada que já fiz na minha vida: um sistema de fendas incríveis que cortavam um lindo granito liso e branco. Mas a parte mais difícil da via ainda estava por vir e Bernardo cismou em ir por um lado onde não dava para proteger. A tensão foi grande e aumentava com cada metro que ele ganhava, escalando um difícil off width.
Quase não respirávamos, pois sabíamos que um acidente ali seria um problema sério. Com dificuldade constante e impossibilidade de proteger, Berna finalmente resolveu desescalar, o que não foi nem um pouco mais seguro ou fácil, mas com sua técnica apurada, ele chegou com segurança na parada onde estávamos. Ofereci para guiar no lugar dele, mas fiquei feliz quando ele disse que continuaria, afinal, a fenda apesar de protegível e por isso mais segura, ainda era muito difícil.

Mas enfim chegamos a “La Cumbre” (o cume) às 3:30 da tarde.
O tempo estava lindo, um céu azul, o vento tranquilo, e a chuva prevista nunca chegou. De um lado, o imponente Torre voltou a aparecer e do outro o majestoso Fitz Roy e as montanhas ao seu redor nos felicitavam. As fotos tradicionais de cume foram tiradas e abraços dados, a felicidade era completa. Mas vida de escalador na Patagônia é estar em constante movimento e depois de um rápido lanche descemos, pois ali estávamos exatamente na metade do caminho e ainda tínhamos muito terreno para percorrer até nossa barraca, exatamente 500 metros de rapel e mais 25 km de caminhada.

Chegamos de volta na base 7 horas depois de ter começado a escalar. O longo caminho de volta nos esperava e descemos escorregando na neve, no cascalho e nas morenas até Niponinos. No meio do caminho um outro susto: Bernardo que descia na frente, cai e rola, quase dando cambalhotas, uns 3 metros. Congelei. Da maneira que ele caiu pareceu que tinha torcido o tornozelo ou joelho e mesmo não estando mais na parede, um resgate ali ainda era muito complicado. Durante uns 5 minutos de angústia esperamos ele se recuperar da dor e da tonteira para que nos pudesse dizer que não havia torcido nada, “apenas” havia batido o joelho muito forte em uma pedra. Foi nesse exato momento que percebi que meu joelho começava a doer. Como já tenho esse problema há tempos, sabia que era algo que iria me perseguir durante todo o caminho e que não tinha muito que fazer além de tomar um antiinflamatório e prosseguir.


Em Niponinos, cogitamos parar e cozinhar algo mais substancial para comer, mas ainda tínhamos um longo caminho pela frente, 23 km, e decidimos continuar para aproveitar o máximo de luz possível. Andamos com luz do dia até cruzar a tirolesa e só as ultimas duas horas de caminhada foram com headlamp. Essa foi a pior parte de todo dia, o cansaço era monstruoso e todas as partes do corpo doíam. Estávamos também mais pesados, pois trouxemos todos os equipamentos que se encontravam escondidos em Niponinos de volta a Chalten. Meu joelho reclamava de cada passo e não conseguia mais andar rápido. Quase dormimos ao sentar por alguns minutos para beber água.

Chegamos em “casa” a 1 da manha, depois de 23 horas de exercício intenso. Eu estava anestesiada de tanto cansaço e fui direto dormir, enquanto que os meninos ainda comeram alguma coisa.

Parando para pensar, o dia foi perfeito e deu tudo certo, a chuva nunca chegou e nós fomos abençoados com um dia maravilhoso e uma escalada incrível num dos vales mais bonitos que conheço, mas não gostaria de fazer uma empretiada dessa de novo. Dormi tranquila e feliz, tendo feito a Media Luna na meia lua e a Claro de Luna na lua cheia. Só posso dizer puooorrraa, muito maneiro!!!

Um comentário:

  1. Kika o relato sensasional e as fotos fantásticas, já pode se inscrever:
    http://groups.google.com.br/group/abfn?hl=pt-BR&lnk=gcamh
    Parabéns!
    abs.

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