1 de abr. de 2009

Bienvenidos a Patagonia

Estávamos (Bernardo Collares e eu) caminhando com muito peso nas costas. Era o Natal 2008 e era nossa primeira tentativa de escalar na Patagônia argentina. Nosso objetivo era a via Brenner na Aguja Guillaumet (2.579 m.), no Parque Nacional Los Glaciares, na cidade de El Chalten, na Argentina.
Para tal, um táxi nos deixou a 16km da cidade ao lado da ponte do Rio Elétrico, onde se inicia a trilha de 6 km até Pedra del Fraille. Ali era literalmente o lugar onde o vento faz a curva e o mesmo parecia soprar muito mais forte do que estava na realidade. Cabelos esvoaçando, casacos fechados, gorros colocados, começamos a andar: um pé na frente do outro, cabeça para baixo e pensamentos longe dali.


Como marinheiros de primeira viagem, acabamos levando coisas desnecessárias e a logística não funcionou tão bem quanto gostaríamos, por isso a mochila que já deveria ser pesada, estava pior ainda. Mas os ânimos estavam altos e seguíamos adiante ignorando as condições climáticas que não nada favoráveis: o vento nos empurrava para trás e a chuva fina não parava de cair.

Depois de quase duas horas, chegamos a Piedra del Fraille e olhamos o percurso que
ainda nos esperava: uma subida muito íngrime. O vento parecia estar ainda mais forte e a mochila mais pesada com o cansaço. Considerando que tínhamos apenas 3 horas e meia a mais de caminhada com apenas 500 metros de desnível, decidimos ficar ali mesmo e fazer o ataque ao cume a partir desse acampamento. Colocamos o despertador para as duas da manhã e fomos dormir.

Acordamos para uma noite estrelada e com vento incessante, mas decidimos subir assim mesmo. A fome de pedra falava mais alto do que qualquer possibilidade de racionalizar sobre a situação. Começamos a subida e 260 metros de desnível depois paramos em um lugar abrigado do vento para esperar o dia amanhecer. Pensávamos que estávamos na metade do caminho. Com os primeiros raios de luz, nos colocamos a subir, sempre subir. E subíamos, subíamos e não chegávamos a lugar nenhum. Quando eu já estava pra lá de cansada de subir, Bernardo me diz que já havíamos percorrido um desnível de 670 metros. “Ué? Não eram 500 metros?” Baixamos a cabeça e continuamos no “toca para cima”.

Depois de duas horas e 1000 metros de desnível, chegamos ao em Piedras Negras, onde era para ter sido nosso bivaque. Rimos, colocamos mais roupa, comemos um pouco do que tínhamos (o café da manhã tinha ficado lá em baixo) e continuamos a subir para a base da via. As informações que tínhamos dizia mais uma hora de caminhada até a base (seja da via Brenner ou Founrouge) e não parecia muito longe. Mas as aparências e as informações na Patagônia enganam e duas horas depois de muito sobe pedra, chegamos a base do neveiro inicial. Estávamos mortos, eu nunca tinha visto uma caminhada tão íngrime, longa e constante na minha vida.

O neveiro inicial era um problema, afinal, nem eu nem Berna tínhamos experiência com neve e, além disso, tínhamos apenas um par de grampons e estávamos sem as piquetas que deixamos no final do glaciar. Contornamos o neveiro pelas pedras congeladas da direita.
Quando não deu mais, Berna colocou seus grampons e tocou para cima, cavando alguns degraus para mim que vinha atrás sem grampons e com muito medo. Mais uma hora e pouco, chegamos, as 10:15, na base da via. Não foi surpresa nenhuma o vento uivante e feroz que encontramos ali, mas foi surpresa e um grande susto ao ver a demonstração de sua força ao levantar uma mochila com mais de 6 quilos do chão. A sorte foi que ela caiu perto da gente, na beira do precipício, mas não nele. Com essa rajada, um saco plástico saiu voando, levando com ele toda a esperança que a gente tinha de escalar naquele dia.

Só nos restava descer os 1.500 metros de desnível que havíamos acabado de subir. Haja joelho! Voltamos a Chalten com muito mais conhecimento sobre o que é Patagônia e sobre o que nos espera nessa região tão inóspita.

Por um tempo nos contentamos em tomar cervejas para esperar a próxima janela, ou melhor, uma janela de verdade. E feliz Natal!



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